Deixa-me ser sua dor

Durante o tempo em que trabalhei na saúde mental, adorava conversar com os acompanhantes dos pacientes. Queria saber como se sentiam, como era para eles o cuidado diário entre outras coisas.  Durante o acolhimento, eu costumava fazer algumas perguntas que eram bem aceitas por elas. Os conteúdos dessas conversas ajudaram tanto elas que sempre me agradeciam por ouvi-las como a mim.
Após um tempo, comecei as minhas pesquisas com conhecidas e pessoas que me indicavam para entrevistar.
Assisti alguns filmes sobre doença mental, entre eles “Distúrbio do prazer” onde ouvi pela primeira vez uma frase que as cuidadoras não falam, mas se comportam como se falassem para o seu doente: “DEIXA EU SER SUA DOR”. Se pudesse trocar de lugar com o paciente, muitas afirmaram que trocariam. Quanto a isso, me disse certa vez uma mãe: - É difícil cuidar de um filho, vê-lo crescer e depois quando pensei que ele pudesse me ajudar, tive que 'parar a vida' para cuidar dele.
 É fato que os pacientes psiquiátricos sofrem por causa da doença, pelos sintomas, pelos efeitos colaterais dos medicamentos, mas poucos profissionais percebem que junto deles existe a família como participante ativa da rede de cuidados. Por questões culturais, geralmente o que se nota é que geralmente a pessoa responsável pelo cuidado é uma mulher que sofre com as cobranças sociais, com as crises, entre outras coisas.
Nas minhas entrevistas com diversas cuidadoras, os discursos eram bem semelhantes onde mulheres com a autoestima bem baixa acreditava que para ser considerada, precisava cuidar dos outros e esquecer o próprio cuidado.
Conversei com uma cuidadora que me disse: “Preciso ir ao ginecologista, fiz exames, mas ainda não tive tempo para levar ao médico. Antes estava cuidando de minha irmã e agora, meu marido que também cuida de todo mundo, está com cirurgia marcada. Vou deixar para cuidar disso depois”.



Infelizmente a cultura nos ensina que a mulher deve sempre estar pronta para cuidar do outro, mesmo que isso signifique deixar-se de lado.
Quanto as famílias, uma das entrevistadas me disse:
- Todos prometem ajuda, mas essa ajuda é a distância. Não me perguntam se preciso de alguém para ficar com minha filha durante umas 2 horas para que eu vá ao médico ou até mesmo tomar um sorvete no shopping sozinha. Ninguém fica, mas se acontece alguma coisa, todos vem para cima de mim.

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